Uma experiência incomum era aquela de caminhar junto com outras nove pessoas sem trocar uma só palavra. Por cinco horas, o grupo compartilhou a sensação de explorar o centro de São Paulo em silêncio. Em um restaurante macrobiótico, a refeição compartilhada auferia um sentimento destoante da tática padrão de ocupar o recinto com sons emitidos pelas cordas vocais dos presentes. A paz tomava o espaço que muitas vezes é ocupado por conversas que não agregam. Essa vivência abriu a mente de Luciana para novas possibilidades. O mergulho interior desse processo meditativo deslocara névoas que revoavam dentro dela para dar lugar a algum tipo de revelação. Um sussurro íntimo reverberava na psique de Luciana para que se lembrasse do que sentiu naqueles momentos e não somente fosse uma experiência em vão.
Escrever sempre foi uma atividade espontânea que essa mulher crescida em Formiga, interior de Minas Gerais, desenvolveu ao longo dos anos. Em seus cadernos, Luciana observa seus sentimentos; a angústia se correlaciona positivamente com o número de linhas escritas. As turbulências e questionamentos da vida brotam das páginas de seu confidente inanimado de quando em quando. Em períodos em que vive no piloto automático, a caneta deixa de marcar o papel por um determinado período. A reflexão que desenvolve consigo mesma traz a essência do que carrega. Desde pequena, Luciana apresentava-se introspectiva; encontrava serenidade na leitura. Como caçula, tinha contato próximo com a mãe que agia como sua protetora. Difícil exprimir se a mãe influenciou seu modo de ser ao estimular uma vida mais caseira ou se a natureza intrínseca da menina contemplativa aflorava em sua personalidade. Do outro lado da moeda, havia os conselhos do pai que incentivava uma vida independente.
Luciana optou por cursar administração, a possibilidade mais rápida para começar uma universidade em Belo Horizonte. Outras escolhas seriam em medicina, arquitetura ou jornalismo. Encontrou no mundo das finanças a forma de tornar-se autossuficiente, seguindo os critérios do pai que adotou para si. Primeiro, foi da pacata cidade do interior de Minas Gerais para a capital do estado; deu então outro salto, mudando-se para o centro financeiro do país, São Paulo. A carreira se consolidava na metrópole e viu-se em um namoro de anos com seu melhor amigo. O que poderia parecer um triunfo de vida estável bem sucedida não acalentava sua alma; faltava algo que não se podia ver. Luciana sentia que estava deixando de viver outras vidas possíveis. A experiência no centro de São Paulo foi além do processo meditativo vivido, o grupo explorou também questionamentos sobre o universo e o sentido da existência de cada um no planeta Terra. Lá, uma recém-amiga a inspirou a romper com o conforto da vida segura para imergir-se em novas aventuras.
Na busca por estímulos alternativos aos já experienciados, Luciana se abriu com seu parceiro que precisava mudar sua vida em todos os aspectos. Os motivos da inquietude incluíam a vida não vivida ou controlada dentro de um roteiro que se formou sem que ela se desse conta. Ele a incentivou a procurar rotas que a tornariam mais realizada. Decidiu por largar o emprego, terminar o relacionamento de doze anos e partir para Londres. A escolha pela cidade britânica era reflexo do que havia vivido em São Paulo, um lugar onde muitas culturas diferentes se encontram. Seguiu para vivenciar o desconhecido e descobrir algo sobre si.
Nos sete meses que passou na nublada cidade europeia, estudando inglês e fazendo cursos para seu desenvolvimento profissional, permitiu-se viver novas experiências, essas sim coloridas. O desejo de saborear novas formas de amor veio à tona. Após algumas tentativas frustradas de se relacionar com mulheres, encontrou fortuitamente uma que fez seu coração bater mais forte. A multiplicidade cultural que buscava na metrópole se refletiu no amor. Com uma indiana radicada na capital inglesa iniciou um tenro romance. Mesmo depois da volta para o Brasil, o elo entre as duas perdurou com inúmeras visitas de um lado a outro do oceano.
O encontro ao acaso na Inglaterra transformou-se em uma nova jornada de vida. O amor vingou. Luciana parte em breve, de férias, para Índia para conhecer toda a família da amada. As tradições de casamentos arranjados indianos foi desfeita para dar lugar ao inesperado. Os familiares começam a abraçar as escolhas de sua componente e dar boas vindas à sua parceira brasileira. Enquanto isso, Luciana vai se desfazendo de seus pertences no Brasil para, em alguns meses, emigrar para Londres, iniciando uma trajetória de outra vida possível com sua parceira. De Formiga para Belo Horizonte, de Belo Horizonte para São Paulo e do Brasil para o Mundo. Escolhas ditas aleatórias transformam-se em um quebra-cabeça de uma vida plenamente vivida.