o despertar dos versos

As amiguinhas de Valentina tinham diários em que escreviam seus segredos. A pequena Valentina não entendia o propósito daquelas páginas privadas. Não pensava ela em qualquer confidência que poderia cravar naquelas folhas em branco. Em um impulso que veio de dentro de seu ser, a menina escreveu os versos que transbordavam de si. As palavras então encontraram uma forma que fazia sentido para ela se expressar. A poesia inaugural sobre o amor impressionou sua mãe e os adultos ao redor. A escrita passou, desde então, a fazer parte de sua vida, acompanhando-a por diversas fases.

Os poemas, no entanto, cessaram por cinco anos na vida adulta. A escassez dos versos coincidia com um trabalho que demandava em demasia enquanto oferecia pouco em retorno em termos de satisfação pessoal. Valentina contou com a pressão principalmente da mãe para a escolha da carreira em Direito no vestibular. Os pais, como funcionários públicos, davam valor à estabilidade de tais cargos e influenciaram a filha em sua escolha profissional. A jovem vestibulanda pensou em tentar jornalismo pela afinidade com a escrita, mas a influência familiar falou mais alto.

Valentina se fez uma jovem bastante determinada. Mesmo não se identificando totalmente com a profissão, se dedicava com afinco. Logo depois de formada, passou a trabalhar no escritório que atua até os dias de hoje. Obstinada, ela executa suas tarefas com empenho e foco. Trabalha com Direito tributário e foi, com o tempo, entendendo que aquele não seria o ambiente adequado para se realizar profissionalmente. Considera o mundo corporativo do qual faz parte um tanto agressivo. Em um momento de mergulho no trabalho para dar conta dos resultados esperados, os poemas sumiram de sua vida.

Os versos retornaram em uma caminhada. Voltaram a emergir de sua mente. A sequência de palavras que se formava expressava aquele lugar em que Valentina se sentia: como se faltasse um pedaço de quem realmente é. O poema discorria sobre tomar passos que não eram os dela e revelava uma saudade que sentia de si. Ela expôs a composição na rede social e a repercussão foi grande entre os próximos. Sem sentido também estava o relacionamento de anos que se tornou sem muita vida. Algo precisava mudar para que Valentina pudesse desabrochar. A crise existencial deu uma guinada em sua vontade de se encontrar. Iniciou um novo namoro e passaram a dividir o mesmo teto durante a pandemia do coronavírus. O trabalho remoto ajudou Valentina a desacelerar e se engajar com outras frequências que vibram dentro dela.

Um tempo antes durante um período de incertezas, Valentina passou a fazer terapia. Chegou perto de uma síndrome de Burnout com o excesso de trabalho e seu esgotamento mental. Compreendeu melhor o lugar em que estava e no qual se colocava. Na empresa, conseguiu criar limites para sua atuação. Não se debruçaria mais em intermináveis horas extras para render mais. Mesmo tendo uma personalidade forte no lado pessoal, no mundo corporativo se deixava levar pelas expectativas de seus superiores. A atenção à rotina fez com que as demandas sobre si se atenuassem e conseguisse executar o seu trabalho sem se exaurir.

A questão de por qual caminho seguir passou a martelar na cabeça de Valentina. Mesmo o ritmo de trabalho mais tranquilo não se faz suficiente para que se sentisse realizada. Ela busca algo que a preencha e que se alinhe com suas convicções. A mudança da casa dos pais para um apartamento deu uma guinada em sua vida. Um espaço preenchido de plantas traz um ambiente que a agrada. Valentina pôde se conectar com ela mesma vivendo de forma independente. Procura entender melhor quais alternativas seguir para desenvolver-se em uma área que acredite.

Aderiu a uma mentoria de transição de carreira. Tem vontade de colaborar para a humanização do meio corporativo. Valentina observa que a cultura das empresas reflete a cultura da sociedade. Pensa trazer a sua experiência em um processo de evolução de como as empresas funcionam, reverberando no conceito de capitalismo consciente. Uma das ideias é incorporar uma parte artística à dinâmica empresarial para ajudar os funcionários a atuarem e se expressarem de forma mais plena.

Em meio às mudanças, o novo relacionamento terminou repentinamente o que traz outro ponto de reflexão para sua vida. Encontra-se redescobrindo suas potencialidades e debruçando-se nas novas oportunidades que surgem. Tem vontade de editar uma coletânea de poemas e publicá-los na forma de livro. Quando escreve em versos, se sente ela mesma. As plantas que cultiva em casa também motivam um projeto intitulado Mudas Que Mudam. Nessa proposta, Valentina guiaria as pessoas a encontrar e cuidar de espécies que as ajudariam a se desenvolver. Com múltiplos caminhos possíveis, o momento agora é de reflexão. Valentina embarca para um retiro em meio à natureza para ouvir seu coração antes de encabeçar uma nova etapa de vida e desdobramentos na sua existência.