caminhos de vida

Em busca de si mesma, Pollyana, decidiu percorrer, com um grupo de pouco mais de uma dúzia de mulheres, o Caminho de São Francisco de Assis. A turma organizara-se através de uma líder holística que guiaria os propósitos da peregrinação. Não fora o aspecto religioso da rota atravessada pelo santo em questão que instigara Pollyana para o desafio, mas a conjuntura da experiência em suas mais vastas proporções.

A brasileira chegou à Itália antes do início do percurso para aproveitar a primeira parte da viagem sozinha. Hospedando-se em hostel, conheceu pessoas diversas e iniciou um processo de recuperação de facetas de si que se encontravam submersas após o fim de um casamento de mais de 20 anos. Apesar de ter viajado só numerosas vezes a trabalho, dessa vez, a liberdade se apresentava de um jeito diferente já que não havia um parceiro esperando o seu retorno.

Na Itália, Pollyana estava consigo mesma de uma forma mais livre e profunda. Na viagem, essa mulher em busca de sua essência descobria, em cada momento, novos sentidos em seu interior. Nesse primeiro momento em terras italianas, deixou-se ser surpreendida. Seus planos de cada dia se renovavam com dicas e recomendações de estranhos que cruzavam seu caminho. A espontaneidade fez com que Pollyana se colocasse mais no momento presente.

A hospedagem em hostel permitiu o encontro com pessoas de idades variadas, mas com a paixão de desbravar o mundo em comum. A experiência inspirou uma forma de viver com mais desapego e ainda economicamente viável para explorar lugares futuros. A possibilidade de viver novas sensações culturais impulsiona o modo que Pollyana vê e se a abre para o mundo.

Não foi essa uma viagem que fez desvendar o lado itinerante dessa mulher independente. Pessoas próximas já a descreviam como sendo de lugar algum por seu desprendimento e sua flexibilidade para ir e vir. Pollyana se reconhece como um ser em movimento e vislumbra os múltiplos caminhos possíveis que aparecem em seu horizonte. Ela abraça a ideia de não se prender a lugares e verdades absolutas e assim navega pelos percursos da vida.

Ao encontrar com o grupo de autoconhecimento em Roma, partiram para uma cidade próxima para o início da jornada. Para cada trecho, a líder propunha um objetivo a cada uma das integrantes. A missão era distribuída através de frases aleatórias sorteadas antes do começo de todo deslocamento. Durante a caminhada diária que durava, geralmente, de 6 a 8 horas, vibrava-se o pensamento de tal propósito.

Após a primeira longa caminhada e desafios físicos como bolhas que se formaram em seus pés, Pollyana optou por se poupar do próximo trecho para que continuasse bem na sequência. Cada uma das mulheres percorria os vários quilômetros diários em seu próprio ritmo.  Pollyana habitualmente ficava mais para o bloco de trás, onde podia observar todo o grupo. Por conta de seu posicionamento na retaguarda pôde tirar diversas fotos das mulheres que caminhavam a sua frente.

Uma das mensagens para que Pollyana vibrasse era a de que ela viria com a força dos ventos e colaboraria espalhando sementes. Ela se identificara com esse papel já que tinha um histórico de plantar oportunidades em sua vida. Além de contemplar as frases oferecidas para a caminhada, as percepções de seu corpo se abriam para a vivência de cada instante. A viagem sensorial se fazia presente.

As imagens que pareciam sair de um filme nos cenários locais se mesclavam com os cheiros e sons que invadiam seu organismo. Os animais cruzavam o caminho do grupo ao passo que encontravam figos e uvas providos pela natureza. Os piqueniques em meio às oliveiras marcavam os momentos de descanso e pausa para o lanche. Tais impressões da caminhada reverberam na memória de Pollyana.

No trabalho e em sua vida, ela sempre foi tida como uma fazedora. É uma pessoa que arregaça as mangas e faz com que as coisas aconteçam. Para tanto, é necessário ocupar o pensamento com o planejamento futuro para realizar qualquer uma de suas aspirações. A caminhada na Itália permitiu que essa realizadora se conectasse mais com o agora. Esse novo modo de operar vai se desdobrando e passa a fazer parte de como Pollyana se relaciona e trabalha.

A vivência do Caminho de São Franscisco de Assis a inspira a projetar um futuro que englobe novas experiências como as que teve na Itália. Um modo de vida mais nômade está em seu radar. Nessa concepção, sem base fixa, viveria de forma mais flexível, transformando diversos lugares em casa. As sementes dessa nova história já estão sendo germinadas para que no futuro cresçam e produzam novos frutos. Os caminhos vão se abrindo com sua motivação para que haja sempre mais evolução, desenvolvimento e aprendizado em sua vida.

acolhimento para todos

Caçula-temporã dentre outras três irmãs, Loren tentava, de toda forma, se incorporar ao grupo das mais velhas. Queria participar de tudo que elas faziam mesmo sendo 12 anos mais nova. Era instigada pelo conhecimento mais avançado das jovens. Para entender o que as irmãs conversavam em inglês, Loren pediu para ter aulas desse idioma desde cedo. Com essa conjuntura familiar, a mais nova amadurecia de maneira mais veloz que as crianças de sua idade. Também se ocupava das mais diversas atividades com sua curiosidade e motivação para aprender.

A agenda cheia consistia em aulas canto e sapateado. O violão também fazia parte da rotina bem como o desenho. As línguas se apresentavam como agente mobilizador e o francês também se tornou parte de sua vida. Loren fazia aulas com sua irmã com quem partiu para o sul da França em uma viagem de dois meses para que ambas pudessem aprimorar o idioma. Ficaram na casa de uma família francesa, imersas na cultura local. Aos 14 anos, em Montpellier, Loren também experienciou sua primeira paixão.

No Brasil, as férias de família se alternavam entre Ibiúna, onde o pai tinha casa, e o interior de Minas Gerais, região de nascimento dos avós maternos. Em outra vivência internacional, a adolescente participou de um intercâmbio durante o ensino médio em Londres. A chegada foi um tanto difícil e Loren chorava de saudades de sua vida brasileira. Mas logo se acostumou à nova rotina e o estimulante ambiente de estudo com alunos de todo o mundo.

Na escola, Loren gostava de geografia. Ela se interessava pela geopolítica e o que estava acontecendo no mundo. Os filmes de guerra que assistia em casa alimentavam esse desejo por entender as configurações e justificativas que culminavam em batalhas. Mesmo bastante jovem, Loren já havia acumulado experiências internacionais e a fluência de outras línguas. O hábito da leitura também impulsionava sua trajetória.

Em paralelo, o interesse da mãe de Loren por psicanálise atiçava sua vontade de estudar psicologia. Quando os pais se separaram, Loren fez terapia para lidar com a divisão familiar. Com a crise pré-adolescente, retomou com esse recurso por vontade própria e a certeza que a ajudaria em seus processos internos. Na hora de prestar o vestibular, o pai influenciou Loren a não tentar psicologia por achar que não seria uma carreira promissora financeiramente. Seus outros interesses falaram mais alto para a escolha e iniciou seus estudos em relações internacionais.

Pensava em ser diplomata, mas não imaginava quão difícil era fazer esse percurso. Na graduação se deparava com o aprendizado em três esferas: indivíduo, Estado e relações internacionais. Loren acabava, na maioria das vezes, se interessando mais pelo primeiro. Ainda assim, começou uma vida profissional em relações internacionais em uma grande organização, a FIESP. Passou para a Endeavor, onde mudou o foco para o mundo dos negócios e fomento ao empreendedorismo.

Com seu interesse pelo indivíduo, Loren iniciou uma pós-graduação em neurociência do comportamento. Morava com sua irmã e já tinha uma vida independente dos pais. Porém, o interesse pela psicologia crescia dentro dela de forma imponente. Decidiu tomar um novo rumo e estudar psicologia. O pai, dessa vez, apoiou a decisão e deu todo o suporte financeiro para que Loren pudesse voltar a estudar. Isso fez com que ela voltasse para a casa da mãe.

Ao longo de sua vida, Loren teve que lidar com uma compulsão alimentar e variação de peso. Esse cenário impactava sua autoestima. Seu descontentamento levou Loren a um momento de dificuldade extrema. Em uma ocasião de crise, em uma atitude impulsiva, tentou terminar com sua vida ao consumir um alto número de medicamentos. Passou seis dias na UTI e sobreviveu, impressionando os médicos que consideravam a situação dela grave.

O acontecido se transformou em válvula motivacional para ajudar outras pessoas que passam por situações parecidas. Loren voluntaria no CVV, organização não governamental que atua na prevenção do suicídio. Seus estudos em psicologia caminham nessa direção e ela pretende se debruçar cada vez mais no assunto, se especializando nessa área. No futuro espera ter uma clínica que acolha e dê apoio emocional para quem precise com foco na preservação da vida.

A multiplicidade dos interesses dessa jovem ecoa por outros lados. O entusiasmo pela literatura fez surgir um clube de leitura que Loren organiza. A escrita também aparece em sua vida e o desejo de passar sua mensagem dessa forma. Redigiu um livro de ficção onde uma mulher deixa cartas para o filho que nunca teve. Já o envolvimento com projetos sociais esteve na vida de Loren desde pequena quando acompanhava a mãe a orfanatos. Essa jovem mulher agrega toda sua experiência de vida para potencializar sua jornada pessoal e profissional. O conjunto de atividades inspira Loren que se prepara para ajudar o máximo número de pessoas.

xadrez cósmico

Dara nasceu no Havaí. Filha de pai americano e mãe brasileira, ela cresceu em uma família nuclear que se identificava com um estilo de vida mais despojado. O pai era músico e a mãe predisposta a aventuras. Com a irmã mais velha e o irmão mais novo, Dara brincava pela natureza local. Exploravam o ambiente que continha diversos elementos como o solo da região que era composto por pedras vulcânicas. Cada um deles escolhera uma goiabeira para chamar de sua. Colhiam e comiam a fruta de seus determinados pés. Uma variedade de animais de estimação, composta por cachorro, gato e coelho, também preenchiam a casa e a rotina familiar.

Quando Dara tinha nove anos de idade, os pais decidiram levar a família para morar no Brasil. Com parentes em Minas Gerais, lá ficaram até uma mudança definitiva para Arraial d’Ajuda, na Bahia, onde a família já havia comprado um terreno e parentes possuíam casas. A vida escolar de Dara era diferente da da maioria das crianças já que tinha aula na própria praia. A natureza continuava a fazer parte da vida dela. Pavões e cavalos faziam parte do cenário local. No ensino médio, pela falta de instituição de ensino para tal idade no vilarejo, pegava a balsa diariamente para estudar em Porto Seguro. Sob sol ou chuva, lá estava a garota fazendo a travessia.

Aos 18 anos, Dara voltou a morar no Havaí com a família. O modo hippie de viver dos pais imprimia certa dificuldade de moradia. A infância na Big Island já havia ocasionado desafios como o incêndio de uma das casas que viviam que os fez ter que sair às pressas. Não tinham eletricidade a não ser por gerador nesses tempos. Enquanto na infância os percalços faziam parte de uma grande brincadeira, no retorno ao Havaí, as adversidades foram mais sentidas pela jovem. A família chegou a morar até em barracas de acampamento em alguns momentos de falta de teto.

Desde a infância, Dara tinha o desejo de se tornar médica. Fez faculdade na área de biologia molecular e química. Com receios quanto à sua capacidade de entrar em disputadas instituições para o estudo de medicina, preferiu aproveitar a vida de outra forma após a graduação. Partiu para um mochilão na Europa. Depois da viagem, explorou a vida em lugares diferentes do mundo como na Espanha e no Brasil. Após alguns anos de experiências múltiplas, resolveu buscar a realização do sonho antigo de estudar medicina.

Entrou em uma universidade internacional de medicina e os estudos se tornaram online com a pandemia. Dara se prepara para um importante exame na área. O próximo passo depois disso é um treinamento prático em um hospital americano. O local ainda não está definido e ficará entre os estados de Nova York, Califórnia e Flórida. Enquanto seu intuito inicial era de seguir para a área de medicina da mulher, seus desejos mudaram com o tempo. A medicina da família e preventiva ganha força dentro dela. Sonha, no futuro com oportunidades de trabalho proporcionadas por organizações como Médico Sem Fronteiras.

Apesar da instabilidade dos pais, Dara desenvolveu um senso de estabilidade que a guia em sua vida. Centrada, ela concentra internamente uma constância que reflete na sua maneira de viver. Mesmo mudando de país em país, existe em Dara fundamentos sólidos. As pessoas ao seu redor também proporcionam experiências que agregam em sua vida. Com o parceiro da época que nutria sua espiritualidade pôde mergulhar em práticas com o uso de cogumelos. O que se apresentou para ela foi um xadrez cósmico possibilitado pela prática.

Nos rituais que participou, sentiu expandir seus horizontes. Névoas se desvaneceram, dando lugar a uma nitidez no enxergar de sua história e de seu momento de vida. Os medos quanto ao futuro e as escolhas profissionais se desfizeram. Deu-se espaço para a flexibilidade. Os caminhos escolhidos não importavam tanto, pois os fins seriam similares. Em uma imagem projetada da família, o papel de cada membro se tornou claro e até influenciou a decisão de passar um tempo no Brasil, próxima às tias maternas para uma troca importante para todas elas.

Os estudos remotos ainda permitem Dara não ter um lugar fixo. Ela carrega com ela o espírito de vida nômade. Sente-se presa se tiver que ficar em um único lugar por um grande período de tempo. A fluidez da mudança leva Dara a novos e antigos caminhos. Com família e amigos espalhados pelo mundo, não há lugar que não possa se transformar em casa. Apesar de ter crescido em áreas de natureza abundante, sua alma cosmopolita faz com que procure cidades grandes para se estabelecer. Isso até a próxima jornada. Os percursos constroem a sua existência e o tempo apreciado em cada pedaço de mundo que escolhe chamar de lar.

de frente consigo mesma

Quando criança, Carla se interessava em pegar panfletos de empreendimentos mobiliários nas ruas de São Paulo para examinar as plantas dos apartamentos neles impressas. Como gostava de desenhar, reproduzia aqueles projetos residenciais que tanto a atraiam. Os modelos, porém, não preenchiam suas aspirações. Queria ela criar as próprias plantas habitacionais. Com um primo de seu pai, aprendeu a fazer escala e aplicá-las em suas ilustrações. Carla então planejava os cômodos com as equivalências devidamente ajustadas. A menina se entretia concebendo moradias imaginárias, mas bem traçadas como uma pequena arquiteta.

Com seu lado artístico aflorado e gosto pelas plantas arquitetônicas, Carla propôs para os pais fazer um curso técnico em design de interiores quando ainda adolescente. Passou na concorrida prova de admissão e se engajou nas aulas para aprender tudo sobre aquele campo que já fazia parte de seu universo desde cedo. Em certo momento da vida, ainda jovem e precisando de dinheiro, começou a vender azulejos pintados por ela em um viaduto em que havia uma feirinha de artesanato e movimento de pessoas. Um amigo, contudo, a viu sentada confortavelmente em sua canga naquele local e achou que ela tinha era virado moradora de rua e passava dificuldades.

O rumor se espalhou dentre outros conhecidos que se mobilizaram com a situação tecida de Carla e arrumaram uma oportunidade de trabalho para ela. No entanto, para a vaga seria necessário conhecimento em um software que ela não dominava. Aprendeu o básico para o teste e conseguiu impressionar seus superiores ao planejar a cozinha solicitada nas orientações. Construiu toda uma carreira na área de design de interiores através dessa chance. Os anos de experiência projetando espaços foram se acumulando ao longo de mais de uma década.

No âmbito pessoal, embarcou em uma nova jornada através da Ayahuasca. Na primeira experiência, sentiu seu corpo se fundir com o chão como se não houvesse divisão entre Carla e a matéria. Não era só a vida humana que existia, mas tudo ao redor também pulsava. As vivências através do chá abriam espaço para encontros com algo prazeroso e clareza de ideias até que um dia se deparou com uma sessão mais sombria. Não somente de flores se constituía a vida e seus processos internos precisavam emergir.

Carla se deparou com o medo, como se uma força da natureza lhe desse um tapa na cara. Enquanto as experiências passadas haviam sido afáveis, esta a colocaria de frente consigo mesma. A pergunta que vibrava era se ela estaria se olhando. Começou então a chorar e processar o que ocorria. Carla se deu conta de que havia tido namorados e relacionamentos em que se dedicava em demasia a ajudar as pessoas próximas. Mas faltava um cuidado para com ela mesma e também se abrir para receber o que não fazia parte de sua vida até o momento.

Pouco tempo depois, em uma saída para a noite, Carla se deparou flertando com uma pessoa que dançava por perto. O interesse foi aflorando de acordo com que o tempo passava. Após alguma insistência por parte da Carla, as duas acabaram ficando, mas não trocaram contato e se desencontraram durante a noite. Carla até tentou procurar pela mulher que se encantara fuçando pela internet, mas só sabia o seu apelido e não foi possível localizar qualquer informação. Por sorte do destino, Tita também buscou por Carla e a encontrou nas redes sociais para a satisfação de ambas.

As duas se encontraram novamente e o clima de romance continuou fluindo bem até que Tita revelou que partiria para Rússia para uma viagem de trabalho durante a Copa do Mundo que lá acontecia. A separação física rendeu um contato virtual intenso. Como Carla não tinha antes tido um relacionamento com uma mulher, ficou um tanto apreensiva ao planejar encontros futuros que envolveriam algo a mais. Seu receio, todavia, logo se dissipou ao se entregar para aquela nova relação. Carla recebia um modo de carinho e atenção inéditos em sua vida.

Com logística dificultada pela distância entre as residências de cada uma já que Tita morava em Barueri, partiram para uma jornada conjunta. Carla foi morar com Tita com seus dois gatos que se somaram aos dois da amada. Arrumou um trabalho em Alphaville e sua vida passou a ser por lá. No entanto, a demanda no trabalho começou a exigir cada vez mais do tempo de Carla. O excesso de projetos fez com que ela se recordasse das palavras do avô que afirmava que as pessoas deveriam trabalhar para viver e não viver para trabalhar. Carla pensou em sua saúde física e mental para se libertar do trabalho fixo. A vida vivida em piloto automático recebeu um respiro.

Perguntou-se qual estilo de vida gostaria de ter daquele momento adiante. Ao invés de colecionar coisas, se deixaria guiar pela vivência. Livre para atuar por conta própria, Carla se reconstrói, se dedicando, além de aos projetos de design de interiores, a outras áreas de interesse. Com seu amor pela cozinha, passou a vender tortas variadas. Pretende também preencher seu tempo com a cerâmica que a fascina. O Taekwondo ficou de lado por anos, mas Carla gostaria de retomar essa atividade já que falta pouco para que se torne faixa preta. Ao desacelerar, Carla se abre para novas oportunidades ao mesmo tempo em que inspira as pessoas ao seu redor a viver com coragem e autenticidade.

o despertar dos versos

As amiguinhas de Valentina tinham diários em que escreviam seus segredos. A pequena Valentina não entendia o propósito daquelas páginas privadas. Não pensava ela em qualquer confidência que poderia cravar naquelas folhas em branco. Em um impulso que veio de dentro de seu ser, a menina escreveu os versos que transbordavam de si. As palavras então encontraram uma forma que fazia sentido para ela se expressar. A poesia inaugural sobre o amor impressionou sua mãe e os adultos ao redor. A escrita passou, desde então, a fazer parte de sua vida, acompanhando-a por diversas fases.

Os poemas, no entanto, cessaram por cinco anos na vida adulta. A escassez dos versos coincidia com um trabalho que demandava em demasia enquanto oferecia pouco em retorno em termos de satisfação pessoal. Valentina contou com a pressão principalmente da mãe para a escolha da carreira em Direito no vestibular. Os pais, como funcionários públicos, davam valor à estabilidade de tais cargos e influenciaram a filha em sua escolha profissional. A jovem vestibulanda pensou em tentar jornalismo pela afinidade com a escrita, mas a influência familiar falou mais alto.

Valentina se fez uma jovem bastante determinada. Mesmo não se identificando totalmente com a profissão, se dedicava com afinco. Logo depois de formada, passou a trabalhar no escritório que atua até os dias de hoje. Obstinada, ela executa suas tarefas com empenho e foco. Trabalha com Direito tributário e foi, com o tempo, entendendo que aquele não seria o ambiente adequado para se realizar profissionalmente. Considera o mundo corporativo do qual faz parte um tanto agressivo. Em um momento de mergulho no trabalho para dar conta dos resultados esperados, os poemas sumiram de sua vida.

Os versos retornaram em uma caminhada. Voltaram a emergir de sua mente. A sequência de palavras que se formava expressava aquele lugar em que Valentina se sentia: como se faltasse um pedaço de quem realmente é. O poema discorria sobre tomar passos que não eram os dela e revelava uma saudade que sentia de si. Ela expôs a composição na rede social e a repercussão foi grande entre os próximos. Sem sentido também estava o relacionamento de anos que se tornou sem muita vida. Algo precisava mudar para que Valentina pudesse desabrochar. A crise existencial deu uma guinada em sua vontade de se encontrar. Iniciou um novo namoro e passaram a dividir o mesmo teto durante a pandemia do coronavírus. O trabalho remoto ajudou Valentina a desacelerar e se engajar com outras frequências que vibram dentro dela.

Um tempo antes durante um período de incertezas, Valentina passou a fazer terapia. Chegou perto de uma síndrome de Burnout com o excesso de trabalho e seu esgotamento mental. Compreendeu melhor o lugar em que estava e no qual se colocava. Na empresa, conseguiu criar limites para sua atuação. Não se debruçaria mais em intermináveis horas extras para render mais. Mesmo tendo uma personalidade forte no lado pessoal, no mundo corporativo se deixava levar pelas expectativas de seus superiores. A atenção à rotina fez com que as demandas sobre si se atenuassem e conseguisse executar o seu trabalho sem se exaurir.

A questão de por qual caminho seguir passou a martelar na cabeça de Valentina. Mesmo o ritmo de trabalho mais tranquilo não se faz suficiente para que se sentisse realizada. Ela busca algo que a preencha e que se alinhe com suas convicções. A mudança da casa dos pais para um apartamento deu uma guinada em sua vida. Um espaço preenchido de plantas traz um ambiente que a agrada. Valentina pôde se conectar com ela mesma vivendo de forma independente. Procura entender melhor quais alternativas seguir para desenvolver-se em uma área que acredite.

Aderiu a uma mentoria de transição de carreira. Tem vontade de colaborar para a humanização do meio corporativo. Valentina observa que a cultura das empresas reflete a cultura da sociedade. Pensa trazer a sua experiência em um processo de evolução de como as empresas funcionam, reverberando no conceito de capitalismo consciente. Uma das ideias é incorporar uma parte artística à dinâmica empresarial para ajudar os funcionários a atuarem e se expressarem de forma mais plena.

Em meio às mudanças, o novo relacionamento terminou repentinamente o que traz outro ponto de reflexão para sua vida. Encontra-se redescobrindo suas potencialidades e debruçando-se nas novas oportunidades que surgem. Tem vontade de editar uma coletânea de poemas e publicá-los na forma de livro. Quando escreve em versos, se sente ela mesma. As plantas que cultiva em casa também motivam um projeto intitulado Mudas Que Mudam. Nessa proposta, Valentina guiaria as pessoas a encontrar e cuidar de espécies que as ajudariam a se desenvolver. Com múltiplos caminhos possíveis, o momento agora é de reflexão. Valentina embarca para um retiro em meio à natureza para ouvir seu coração antes de encabeçar uma nova etapa de vida e desdobramentos na sua existência.

de geração em geração

A avó de Simone, Antonieta, com apenas 13 anos, cruzou o Oceano Atlântico, em 1915, em busca de uma vida melhor no Brasil. Provinda da aldeia do Vilar, em Portugal, partiu a menina para uma jornada de esperança de um futuro mais promissor no continente de destino. Uma família abastada portuguesa contratara os seus serviços como copeira no Rio de Janeiro. Muito dedicada, ela foi crescendo na carreira de serviços domésticos que prestava. De copeira passou a ser governanta e de governanta tornou-se dama de companhia da patroa. Esta fora educada em Paris e ensinava a etiqueta francesa para a sua funcionária.

Antonieta estimava sua vida independente e de aprendizado no trabalho, oportunidade pela qual possibilitou com que andasse com as próprias pernas. Casou tarde, para a época, com um primo de terceiro grau com quem tinha uma próxima amizade. A filosofia de relação, para Antonieta, era a de apreciar a companhia do marido desde que ele nunca levantasse a mão para ela. Com personalidade forte, essa jovem portuguesa se estabeleceu como a grande matriarca da família que formou. Teve o casal três filhos, um menino e duas meninas. A caçula delas veio a tornar-se mãe de Simone e cresceu com muita esperança de avançar nos estudos.

O pai, porém, cortou as asas da menina após ela concluir o primário. O foco deveria ser no corte e costura assim como faziam as outras moças naqueles tempos. Quando adulta, teve também três filhos, assim como a sua genitora: um menino; uma menina do meio, a Simone; e outro mais novo. Houve também a perda de um bebê, no interim, o que motivou as pessoas ao redor a responsabilizar as árduas condições de vida para a interrupção da gravidez. Além das dificuldades financeiras, o marido registrara um dos filhos com um nome diferente do combinado e as desavenças levaram a uma agressão física.

A mãe de Simone havia prometido para si mesma que, caso qualquer brutalidade acontecesse, seria esta em dose única. Não se permitiria manter-se em uma relação violenta. Com a difícil situação financeira e matrimonial, ela se mudou para a casa da mãe para melhores cuidados. O marido que não se dava bem com a família da esposa, não pode acompanhá-los. A mãe, agora praticamente solo, teve que se virar para financiar a criação dos filhos. Costurava para fora, mas com empenho nos estudos como autodidata que era, conseguiu passar em um concurso público para trabalhar no INSS. E mais adiante completaria a renda com outros dois trabalhos como recepcionista em consultórios médicos.

Simone, como única filha entre dois meninos, ajudava a avó a manter a casa em ordem. Enquanto a matriarca cozinhava para todos, Simone se encarregava da limpeza. Mesmo ainda pequena, arrumaram um banquinho para que ela alcançasse a pia para lavar a louça. Sem poder aquisitivo, os pratos na mesa variavam pouco. As tripas à moda do porco, uma espécie de dobradinha com feijão não agradavam o paladar de Simone que era, de toda forma, obrigada a comer o que se servia. O restante do bacalhau das ocasiões especiais como na Páscoa e no Natal, se transformava em açorda, misturado com pão.

Ao contrário de sua mãe que fora impedida de continuar os estudos pelo pai autoritário, Simone permaneceu na escola com afinco, rompendo a sina das gerações passadas. O pai, pelo contrário, estimulou Simone também a aprender inglês, o que abriu frentes de oportunidade em sua carreira. Inspirada em um professor da escola, decidiu prestar psicologia no vestibular. Já se preparando para a prova, planejou seguir pelos estudos clássicos. No entanto, se deparou com o latim que impôs dificuldades. A professora somente a passaria de ano caso ela se transferisse para o científico já que as condições não iriam melhorar com a adição de grego no currículo no ano seguinte.

Para a sorte de Simone, quando prestou vestibular, psicologia mudou de humanas para biológicas o que possibilitou a sua entrada na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Cursando a faculdade, logo começou com os estágios. Já tinha convicção que gostaria de seguir na área de psicologia empresarial e organizacional. Foi aprendendo por onde passava. Depois de formada, também trabalhou em grandes empresas atuando em treinamento, recrutamento e seleção até que decidiu partir para uma destemida iniciativa profissional. Resolveu se tornar consultora independente e conquistar uma cartela de clientes. O negócio prosperou até uma crise econômica nos anos 90 brecar seus planos. Com seus investimentos certeiros, conseguiu sobreviver até retraçar os objetivos.

Durante sua vida universitária, casou e engravidou. A filha nasceu na mesma época de sua formatura em uma cesárea de emergência. Pós-maturo, o bebê continuava tranquilo em seu ventre, sem movimentos para vir ao mundo. Mudou de médico na última hora e teve a filha em um hospital público no qual o obstetra indicado por seu irmão estava de plantão. O segundo filho veio pouco tempo depois e já com a experiência de que Simone não entraria em trabalho de parto, a cesárea já foi programada com antecedência. Separou-se e resolveu morar em São Paulo para uma nova jornada de vida. A carreira alavancou e criou alicerces para levar os filhos para a capital paulista.

Simone não considera ter sido uma mãe tão presente tendo que conciliar a criação dos filhos com o trabalho excessivo. Um dos momentos marcantes, porém, foi uma viagem com o intuito de abrir os olhos das crias para a vida para além dos shoppings e praias que estavam acostumados. Programou uma viagem de carro para Natal e partiram os três. Percorrendo áreas carentes do Brasil, se depararam com famílias passando fome na beira da estrada. Os filhos ofereciam a comida que tinham no veículo para as pessoas necessitadas pelo caminho. A aventura contou até com um atropelamento de um cachorro que subitamente apareceu na estrada e uma parada pela polícia na volta. Ficou guardada a experiência de passar para os filhos um pouco do que Simone guarda dentro de si. A vida das mulheres da família vai assim se transformando de geração em geração.

cientista da vida

A facilidade na área de exatas guiou Mariana para uma carreira acadêmica como pesquisadora e docente. Da graduação em engenharia química pulou diretamente para o doutorado em mecânica. Aplicou-se no desenvolvimento de novos materiais para reparos de defeitos ósseos. Com a trajetória profissional a mil, veio o stress ocasionado pela pressão por alta produção de artigos científicos e performance no cargo de professora universitária. A posição pesava e decorria na direção contrária de uma filosofia de vida mais equilibrada em que acreditava. Esgotada, Mariana considerou pedir sua exoneração. Evitando uma decisão permanente, porém, repensou e chegou a um meio termo – uma licença não remunerada pelo período de um ano para reconsiderar os rumos de sua vida.

Pouco tempo antes, Mariana recebeu em seus braços o primeiro bebê que segurou em sua existência – sua filha. Sem contato anterior com crianças pequenas, a vinda ao mundo de sua progênita trouxe um novo propósito. Já na gravidez, as concepções do parto mudaram para a acadêmica. No início, foi conduzida pela obstetria convencional que demonstrava propensão à cesárea. Pesquisando sobre o tema, o filme O Renascimento do Parto mudou sua forma de enxergar como o bebê havia de deixar seu útero. Uma obstetra humanizada a acompanhou a partir de então. Mariana foi aconselhada a lidar com seus medos durante o processo de gravidez para ter um parto tranquilo.

Havia o medo da dor e também da anestesia, já que não lida bem com injeções. Na única que tomou na vida, desmaiou. Terapia, yoga e meditação tornaram-se formas de apaziguar a ansiedade e trazer autoconhecimento. Com toda essa preparação, a vinda de Júlia ao mundo foi serena. Após algumas contrações em casa, deslocaram-se para o hospital; não demorou muito para a pequena apresentar-se para os pais e passar as primeiras três horas de vida no colo da mãe. Dar a luz a um serzinho como esse mudou a concepção de vida de Mariana. O parto desencadeou uma série de mudanças. O ritmo alucinado do trabalho deu espaço a questionamentos sobre como balancear os diversos aspectos da vida pessoal e profissional.

Natural de São José dos Campos, Mariana vê-se, no entanto, como campineira, já que a família migrou para Campinas quando ela era ainda criança. Cresceu acompanhando seu pai, físico, ao laboratório da universidade. Astuto, ele construía seus próprios equipamentos para pesquisa e alimentava a curiosidade da menina. Ao ser indagado sobre qualquer assunto, ao invés de responder, ele instigava sua filha a procurar as respostas de suas próprias perguntas. Assim já nascia uma pequena cientista dentro dela. A propensão empírica e científica durante a infância norteou seu futuro desenvolvimento profissional.

A crise que se instaurou com o excesso de trabalho e a recém-experiência materna direcionou sua reconstrução. A licença veio em boa hora. Nesse intervalo, pôde desenvolver-se em outra área, a da psicologia positiva. O marido também passou por uma crise semelhante com o esgotamento profissional, chegando à síndrome de burnout, o que o levou a pesquisar sobre inteligência emocional. Através da análise da situação de ambos, criaram uma empresa de desenvolvimento humano.

Com o fim do ano sabático, Mariana teve que encarar o retorno à universidade, mas estabelecendo um novo paradigma. Para ela, os conhecimentos refletidos de sua experiência pessoal poderiam ter um impacto maior se alcançassem os estudantes de engenharia. Introduziu sua proposta de inserir treinamento em habilidades socioemocionais na grade. Houve resistência do núcleo, principalmente da ala mais conservadora. No entanto, com perseverança, Mariana foi implementando seu plano de ação. Enquanto ela vai rompendo as convenções no ensino, os alunos apreciam competências de administração da vida que não aprenderiam em aulas de cálculo.

Os sonhos de qualidade de vida perduram. Mariana teve a oportunidade de morar em Barcelona, devido ao doutorado sanduíche, por seis meses juntamente com o marido que a acompanhou. Os dois se apaixonaram pela cidade. Voltaram como turistas e conheceram ainda mais a cultura local. Com o mar ao redor, a cidade catalã os acolhe. Apesar de grande, traz um ar de tranquilidade. Há a vontade de reviver esse estilo de vida espanhol. No entanto, do mesmo modo que Mariana pode deixar para trás seus títulos acadêmicos, ela também consegue adaptar-se a novos planos. Mais do que a aspiração de uma vida futura imaginada, situa-se a consciência do bem-estar do presente momento.

multiplicidade de ser

Quando sua filha, Sofia, nasceu algo mudou em Ivanez. Durante a gravidez não se sentia ainda pai. A imagem mental da ocasião fica guardada como um momento único que não poderia ser refeito como outras fotografias de viável reprodução. O momento de vinda ao mundo do pequeno ser alterou sua percepção. O contato até então era distante quando ainda no útero. Foi como se ele e ela estivessem desplugados e, na hora do encontro físico entre os dois, os fios relacionais se conectassem. Hoje com seis anos, a menina, um tanto independente e de personalidade forte, revela uma mistura entre características dele e da esposa.

Nascido em Currais Novos, no interior do Rio Grande do Norte, Ivanez desfrutou de uma infância venturosa. No bairro em que morava, jogava futebol e brincava de pega-pega livremente. A proximidade com os demais moradores trazia o aconchego de uma cidade pequena. No entanto, o elo com sua terra natal se rompeu com a mudança da família, por conta do trabalho do pai, para o Rio de Janeiro. A vida na capital fluminense gerou desafios sinuosos. Aos 15 anos, o adolescente potiguar não se adaptava à falta de liberdade imposta pela rotina carioca. O ambiente se revelava hostil como na escola em que convivia com alunos envolvidos com o tráfico de drogas. O contato com os habitantes da Cidade Maravilhosa também se apresentava adverso. Os locais não eram tão abertos quanto Ivanez esperava, mas ele se questiona também se não era ele que se fechava para as novas amizades.

Sua jornada de vida contou com diversas mudanças pelo território brasileiro. Junto com o pai, mãe e duas irmãs, migrou do Rio de Janeiro para Salvador e de Salvador para Fortaleza. No interior de Ivanez crescia uma vontade de colocar para fora o que se passava dentro de si. Ele tinha dificuldade em se expressar quando jovem e muitos conteúdos não ditos permaneciam guardados e em ebulição. A relação com o pai até a juventude foi um tanto distante. A ponte entre os dois se estreitou por um movimento de aproximação de Ivanez para com seu genitor. Da mãe herdou a praticidade e a disciplina.

As ideias propulsionadas por suas experiências de vida alimentaram o sonho de escrever um livro, mesmo a escrita sendo algo distante em sua vida. Com a impressão sequencial de letras, Ivanez acredita que, ao contrário das palavras ditas, as cravadas no papel perduram. Decidiu executar o manuscrito, com o lançamento do mesmo em 2019. Nele, faz uma analogia entre a construção de uma casa e o desenvolvimento pessoal que vai desde as fundações até a mobília, a última fase da feitura de si.

Em sua mente, flutua um mar de ideias; seu corpo produz força de ação para realizar o que atravessa seus neurônios. Profissionalmente já tocou restaurante, teve empresa de tecnologia, de desenvolvimento de aplicativos e até de realização de casamentos. Observador, Ivanez encontra ao seu redor motivos para melhorar a eficiência de qualquer empreendimento. Recentemente, passou a usar sua habilidade para prover mentorias de negócios.

A efervescência das abstrações que ocorre em seu cérebro, porém, não é fácil de lidar. Ivanez porta uma multiplicidade que, diversas vezes, o atrapalha. Há flechas mentais que apontam em diversas direções, muitas delas, contrárias. Na ânsia de realizar tudo o que pensa, já se encontrou no vácuo. Com o excesso de propósito ocorre a perda de foco ou, inclusive, uma paralisação generalizada. Em um momento de angústia e crise no relacionamento bem como na vida profissional, Ivanez teve um colapso de suas funções. Deparou-se com o vazio. Nessa ocasião, mudou-se para a praia, onde, ao longo de seis meses, processou o que ocorria em sua vida.

Após o hiato, Ivanez reatou com a esposa e recomeçou suas empreitadas. Voltaram com mais cumplicidade, entendendo melhor a natureza de cada um, e com uma vontade maior de ajudar o outro a realizar os seus sonhos. Formou-se também um compromisso interior com o que acredita, o desejo de trabalhar naquilo que é importante para ele. Colocou como meta arrumar os dentes para um sorriso mais tranquilo e também focou em perder peso do seu corpo que acumulava 128 quilos por conta de hábitos não saudáveis. Objetivos esses que foram cumpridos em um trato que fez consigo mesmo. Ivanez enfrenta o medo de parar, de se conformar e não evoluir mais. Atualmente, ele planta sementes para o futuro, mesmo outros não enxergando suas intenções. A sua germinação interior o guia com fugacidade.

escolhas que te escolhem

Uma experiência incomum era aquela de caminhar junto com outras nove pessoas sem trocar uma só palavra. Por cinco horas, o grupo compartilhou a sensação de explorar o centro de São Paulo em silêncio. Em um restaurante macrobiótico, a refeição compartilhada auferia um sentimento destoante da tática padrão de ocupar o recinto com sons emitidos pelas cordas vocais dos presentes. A paz tomava o espaço que muitas vezes é ocupado por conversas que não agregam. Essa vivência abriu a mente de Luciana para novas possibilidades. O mergulho interior desse processo meditativo deslocara névoas que revoavam dentro dela para dar lugar a algum tipo de revelação. Um sussurro íntimo reverberava na psique de Luciana para que se lembrasse do que sentiu naqueles momentos e não somente fosse uma experiência em vão.

Escrever sempre foi uma atividade espontânea que essa mulher crescida em Formiga, interior de Minas Gerais, desenvolveu ao longo dos anos. Em seus cadernos, Luciana observa seus sentimentos; a angústia se correlaciona positivamente com o número de linhas escritas. As turbulências e questionamentos da vida brotam das páginas de seu confidente inanimado de quando em quando. Em períodos em que vive no piloto automático, a caneta deixa de marcar o papel por um determinado período. A reflexão que desenvolve consigo mesma traz a essência do que carrega. Desde pequena, Luciana apresentava-se introspectiva; encontrava serenidade na leitura. Como caçula, tinha contato próximo com a mãe que agia como sua protetora. Difícil exprimir se a mãe influenciou seu modo de ser ao estimular uma vida mais caseira ou se a natureza intrínseca da menina contemplativa aflorava em sua personalidade. Do outro lado da moeda, havia os conselhos do pai que incentivava uma vida independente.

Luciana optou por cursar administração, a possibilidade mais rápida para começar uma universidade em Belo Horizonte. Outras escolhas seriam em medicina, arquitetura ou jornalismo. Encontrou no mundo das finanças a forma de tornar-se autossuficiente, seguindo os critérios do pai que adotou para si. Primeiro, foi da pacata cidade do interior de Minas Gerais para a capital do estado; deu então outro salto, mudando-se para o centro financeiro do país, São Paulo. A carreira se consolidava na metrópole e viu-se em um namoro de anos com seu melhor amigo. O que poderia parecer um triunfo de vida estável bem sucedida não acalentava sua alma; faltava algo que não se podia ver. Luciana sentia que estava deixando de viver outras vidas possíveis. A experiência no centro de São Paulo foi além do processo meditativo vivido, o grupo explorou também questionamentos sobre o universo e o sentido da existência de cada um no planeta Terra. Lá, uma recém-amiga a inspirou a romper com o conforto da vida segura para imergir-se em novas aventuras.

Na busca por estímulos alternativos aos já experienciados, Luciana se abriu com seu parceiro que precisava mudar sua vida em todos os aspectos. Os motivos da inquietude incluíam a vida não vivida ou controlada dentro de um roteiro que se formou sem que ela se desse conta. Ele a incentivou a procurar rotas que a tornariam mais realizada. Decidiu por largar o emprego, terminar o relacionamento de doze anos e partir para Londres. A escolha pela cidade britânica era reflexo do que havia vivido em São Paulo, um lugar onde muitas culturas diferentes se encontram. Seguiu para vivenciar o desconhecido e descobrir algo sobre si.

Nos sete meses que passou na nublada cidade europeia, estudando inglês e fazendo cursos para seu desenvolvimento profissional, permitiu-se viver novas experiências, essas sim coloridas. O desejo de saborear novas formas de amor veio à tona. Após algumas tentativas frustradas de se relacionar com mulheres, encontrou fortuitamente uma que fez seu coração bater mais forte. A multiplicidade cultural que buscava na metrópole se refletiu no amor. Com uma indiana radicada na capital inglesa iniciou um tenro romance. Mesmo depois da volta para o Brasil, o elo entre as duas perdurou com inúmeras visitas de um lado a outro do oceano.

O encontro ao acaso na Inglaterra transformou-se em uma nova jornada de vida. O amor vingou. Luciana parte em breve, de férias, para Índia para conhecer toda a família da amada. As tradições de casamentos arranjados indianos foi desfeita para dar lugar ao inesperado. Os familiares começam a abraçar as escolhas de sua componente e dar boas vindas à sua parceira brasileira. Enquanto isso, Luciana vai se desfazendo de seus pertences no Brasil para, em alguns meses, emigrar para Londres, iniciando uma trajetória de outra vida possível com sua parceira. De Formiga para Belo Horizonte, de Belo Horizonte para São Paulo e do Brasil para o Mundo. Escolhas ditas aleatórias transformam-se em um quebra-cabeça de uma vida plenamente vivida.

senhora de seu próprio destino

A novela brasileira Senhora do Destino trouxe uma luz no fim do túnel para a vida da moçambicana Lara. Não pela protagonista que se muda do Nordeste para o Rio de Janeiro, procurando uma vida melhor, apesar de ser também uma motivação plausível para justificar sua jornada. A inspiração, na verdade, veio por conta do casal de lésbicas que atravessava os televisores das casas do sudeste do Continente Africano. Pela primeira vez em sua história, Lara se viu representada em um meio de comunicação proeminente. Era um certo alívio que seus conterrâneos em Maputo, capital de Moçambique, pudessem se informar, descobrir que havia outras pessoas no mundo como ela. Sua condição não era algo de outro universo, mas uma concepção de vida possível.

A exportação cultural brasileira, por ter a mesma língua pátria, aproxima os países. A produção global trazia a noção do que ocorria do outro lado do Atlântico. Para Lara, o Brasil se tornou uma esperança de lugar onde pudesse ser ela mesma. O plano intensificou-se quando a maputense percebeu sentir-se no lugar errado com as pessoas erradas. O abandono do pai, por não aceitar sua filha como ela era, foi o estopim de um conflito social. Com o fato de a novela retratar duas mulheres que se relacionavam amorosamente, Lara entendeu que no Brasil, ao menos, se falava sobre o assunto. Em seu país de origem, o assunto era tabu, mantido em silêncio.

A quietude só era quebrada ao som de insultos que ouvia na rua, como ‘fufas’, gritados por conhecidos quando passava em público com outra mulher ao lado. Ou pela forma arbitrária como fora tratada pela polícia em uma interferência parcial. Um julgamento verbal de um policial de como se vestia e portava rendeu um mês na prisão, o que ela considera poder ter sido resolvido com uma multa por infração de trânsito — o verdadeiro delito em questão. As restrições à sua forma de ser apagavam seu sorriso.  

O casal Bárbara e Eleonora, da ficção televisiva, provia um sonho, o de ir para tal país onde Lara pudesse também viver abertamente e com dignidade. Sua missão crescia, mas mantinha-se secreta. A aspiração passou a ser plano, e o plano se concretizou em 2013. Ela construiu condições para lançar-se a um novo rumo. Trabalhou e juntou a quantia necessária para colocar o projeto em prática. Seria ela a personagem de seu próprio roteiro, traçando um destino diferente daquele estabelecido na África.

Desembarcou em Guarulhos como turista que Lara sabia que não era. Pediu para o taxista que a levasse para um hotel no centro da capital. O condutor, perguntando sobre suas origens, percebeu para onde deveria guiá-la. Ele deixou Lara em um hotel no Largo do Paissandu e indicou onde encontrar outros africanos em condições semelhantes, que poderiam ajudá-la. Após acomodar-se, a moçambicana marchou para a Galeria Presidente, mais chamada pelos frequentadores de Galeria dos Africanos, uma espécie de Torre de Babel, onde é ouvida pelos corredores uma nuvem de línguas de todos os cantos de seu continente de origem. Um nativo de Guiné Bissau a indicou a Cáritas, organização não governamental, que acolhe refugiados e explicou como proceder.

A estrangeira, em um mundo mais familiar em que nascera, preencheu as fichas para permanecer em sua nova nação. Encontrou acolhimento na Missão Paz, organização filantrópica que oferece moradia provisória a refugiados recém-chegados. Lá podia dormir, mas os dias eram passados na rua, em que ela logo arrumou trabalho em um hotel. Conseguiu alugar seu próprio quarto onde sentia frio dormindo no chão. Ela sabia, porém, que esse era um percalço inicial, que dias melhores viriam. Dois anos depois de sua chegada a São Paulo, foi convocada pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) para uma entrevista-chave. Pôde falar o porquê de seu refúgio: sua orientação sexual. Com sua história às claras, conseguiu tirar sua carteira de identidade, o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE). Apesar da fácil adaptação na maior cidade da América Latina, Lara carrega Moçambique consigo. Faz caril de amendoim, receita da avó, que lembra sua infância no quintal da mãe de sua mãe. Lá era livre, brincava com os primos de jogar futebol ou com carrinhos de ferro. Isso antes de encarar a escola, sentir-se diferente, ser olhada como um ser de outro planeta. O engajamento com a sua própria vida trouxe a vontade de expandir seu conhecimento para além de seu interior. Em saraus que faz parte em São Paulo, Lara recita poemas de Mia Couto, renomado escritor moçambicano. Ajuda também na formação de professores, no que diz respeito à diversidade, inclusão e choque cultural. Com sua voz, transforma a vida de outras pessoas para que se sintam confortáveis em sua própria pele e abraçadas pela sociedade.